4 min

Vacinas: os factos

Revisão Científica
A vacinação permitiu erradicar uma das mais perigosas doenças do século XX e evita muitas outras infeções mortais. Mas há quem erradamente defenda que as vacinas são perigosas.

O cientista e médico inglês Edward Jenner alterou para sempre a nossa relação com as doenças em 1796 ao usar um vírus parente da varíola, que ataca as vacas, para imunizar pessoas contra a varíola. Em 1980, menos de dois séculos depois, a Organização Mundial da Saúde declarou a erradicação mundial deste terrível vírus que se estima ter morto entre 300 e 500 milhões de pessoas só no século XX. Hoje, pouca gente se lembrará da realidade da varíola, o que revela o triunfo da vacinação. No entanto, este esquecimento abre portas para os grupos anti-vacinas de que ouvimos falar nos últimos meses devido aos mini-surtos de sarampo e de hepatite A que ocorreram em Portugal. A vacinação é uma estratégia inteligente que aproveita as capacidades do nosso sistema imunitário, ativado durante uma infeção causada por um agente patogénico, como um vírus ou uma bactéria. “Perante a ameaça de uma nova doença, o organismo pode ou não ter capacidade de resistir e desenvolver imunidade. O que as vacinas nos ajudam a fazer é a aumentar as nossas possibilidades de repelir com êxito as ameaças condicionadas por uma determinada doença, estimulando o nosso sistema imunitário e, ao mesmo tempo, diminuir a frequência e gravidade das consequências e complicações que se associam a uma infeção e imunidade natural”, explica o médico Filipe Basto, diretor clínico do Hospital Lusíadas Porto. A imunidade natural é adquirida após o contacto com o agente patogénico. No caso do vírus da varíola, os doentes que sobreviviam à infeção não voltavam a ser infetados pelo vírus. Esta imunidade assenta no trabalho dos linfócitos, células do sistema imunitário. Cada linfócito produz anticorpos que reconhecem moléculas diferentes. Quando o vírus da varíola causa uma infeção, os linfócitos entram em contacto com o intruso. Se um dos linfócitos “descobrir” que tem um anticorpo que se liga ao vírus, multiplica-se e novos linfócitos vão enxamear os vírus com anticorpos, facilitando a sua neutralização. No caso de o doente sobreviver à doença, o corpo retém um número elevado destes linfócitos especializados no vírus da varíola. E se a pessoa voltar a entrar em contacto com o vírus, aqueles linfócitos rapidamente ajudam a eliminá-lo, evitando a infeção.

 

Futuro das vacinas

A vacina usa o mesmo princípio mas sem os riscos da doença, que pode matar ou causar danos graves. “Por regra, as vacinas contêm o microrganismo que provoca a doença, só que de uma forma atenuada, de maneira a estimular os nossos sistemas de defesa, criando uma 'memória' que nos prepara para reconhecer e destruir a infeção caso esta ocorra”, explica o médico. “As vacinas podem ser administradas pela boca, como a vacina da poliomielite, por aerossol, como nalgumas vacinas da gripe, ou por injeção, que é na verdade a via mais comum (no caso do tétano, do sarampo, das meningites e hepatites).” Desde a descoberta de Edward Jenner que muitas outras vacinas foram desenvolvidas. A poliomielite, conhecida por matar alguns doentes e deixar outros paralisados, é outra doença quase erradicada graças à vacinação. Mas o VIH, o vírus responsável pela sida, e o Plasmodium falciparum, um dos parasitas da malária, são dois exemplos de agentes patogénicos mortais que têm desafiado os investigadores. As vacinas experimentais desenvolvidas contra o VIH e o parasita da malária não conseguiram até agora criar a imunidade que evita infeções por estes dois agentes. “As vacinas consideram-se eficazes e seguras se nos permitirem prevenir a doença ou as suas complicações mais sérias, garantindo, ao mesmo tempo, que a sua utilização não condiciona outros riscos significativos para a saúde das pessoas”, explicita Filipe Basto. “O licenciamento das vacinas pressupõe um longo processo de estudo e diversos ensaios clínicos que duram anos e permitem acumular as garantias de eficácia e segurança necessárias. As vacinas que não têm eficácia ou apresentam efeitos secundários muito importantes não chegam a ser comercializadas.” Ainda assim, as vacinas podem conter químicos para as preservar, como o timerosal, que tem mercúrio em doses “muito pequenas”, diz o médico, sublinhando que “não há evidência de que, neste contexto, este composto tenha algum risco para a saúde das pessoas”. No entanto, tal como outras substâncias naturais ou sintetizadas, pode haver a possibilidade remota de alguém ser alérgico. Mas então, porque é que as pessoas temem as vacinas? “Na verdade, as pessoas não temem as vacinas pois a esmagadora maioria da população está adequadamente vacinada”, começa por responder Filipe Basto. “À medida que o perigo das complicações graves das doenças naturais vai desaparecendo pelo próprio efeito da vacinação, alguns grupos desvalorizam este benefício e passam a dar uma importância desmesurada aos riscos, muito menos relevantes, que podem associar-se à administração das vacinas. Cabe-nos a todos contribuirmos para esclarecer as pessoas com dúvidas, percebendo os motivos que lhes estão subjacentes e utilizando as informações e evidências disponíveis que demonstram o inequívoco benefício da vacinação.”

Por Nicolau Ferreira

Este é um dos artigos que pode ler na Revista Lusíadas nº8

Ler mais sobre

Vacinação

Este artigo foi útil?

Revisão Científica

Dr. Filipe Basto

Dr. Filipe Basto

Hospital Lusíadas Porto

Especialidades em foco neste artigo

Especialidades em foco neste artigo

PT