7 min

Acalásia: o que é e como se trata

Nesta doença, os alimentos ingeridos deixam de conseguir passar do esófago para o estômago.

A acalásia é uma doença que afeta o aparelho digestivo e a digestão. Nesta patologia, os pacientes conseguem mastigar e engolir os alimentos, mas o bolo alimentar tem dificuldade em chegar ao estômago devido a um mau funcionamento do esófago.
  
“A acalásia é uma doença motora do esófago, rara, que se caracteriza por uma alteração dos movimentos do esófago”, explica Pedro Barreiro, médico e especialista em Gastrenterologia do Hospital Lusíadas Lisboa.

Ao impedir o bolo alimentar de chegar ao estômago, esta doença pode causar desnutrição e perda de peso, além de dificultar as refeições.

Um canal alimentar

O esófago é um tubo que liga a boca ao estômago. Os alimentos, depois de serem engolidos, “são empurrados por movimentos coordenados do esófago até ao estômago”, descreve o médico, referindo-se aos movimentos peristálticos. 

A passagem do esófago ao estômago é feita por uma abertura onde existe um músculo chamado c. Este músculo funciona como uma válvula que normalmente está fechada. “Em contexto de adequado funcionamento”, adianta o médico, “quando se engole, o esfíncter esofágico inferior relaxa, e abre de forma a permitir a passagem dos alimentos para o estômago”.

Depois, este músculo volta a fechar, cumprindo a sua função de impedir que as substâncias que estão a ser digeridas no estômago voltem a subir para o esófago. Numa digestão normal, o produto que está a ser digerido no estômago prossegue para os intestinos onde os nutrientes começam a ser absorvidos, alimentando o organismo.

Perturbação no esófago   

Na acalásia há uma disfunção no esfíncter esofágico inferior. 

“Na acalásia existe um problema de todos estes movimentos coordenados do esófago e particularmente do esfíncter esofágico inferior. Nesta patologia, este esfíncter encontra-se encerrado com mais força do que o habitual e, além disso, perde a capacidade de relaxar e abrir, dificultando a passagem dos alimentos para o estômago”, refere Pedro Barreiro. 

Ao mesmo tempo, os movimentos peristálticos do esófago, que ajudam o bolo alimentar a descer até o estômago, são “deficitários ou inexistentes”, acrescenta o médico.

Estes dois fatores levam que os pacientes tenham a sua digestão perturbada, gerando um mal-estar. Não só os alimentos deixam de chegar ao estômago, impedindo que estes sejam digeridos e absorvidos, como são frequentemente regurgitados.

Origem da doença

A acalásia pode ocorrer igualmente em homens e mulheres, em qualquer idade, apesar de o seu diagnóstico ocorrer mais frequentemente em adultos entre os 40 e os 60 anos. “Não temos um perfil de doente típico para esta doença”, declara o médico. Parte deste desconhecimento ocorre porque ainda não se sabe, na maior parte das vezes, o que causa a acalásia. 

“Ainda que existam alguns fatores que têm sido implicados para o aparecimento desta doença, na prática ainda não sabemos o que leva ao seu aparecimento”, revela o especialista. “Medicamente, dizemos que é uma doença de origem idiopática.”

No entanto, sabe-se que a infeção pelo parasita Trypanossoma cruzi, que provoca a doença de Chagas, pode originar secundariamente a acalásia. Esta doença é endémica da América Central e do Sul, e surge raramente na Europa.

Em Portugal, “a grande maioria dos casos de acalásia são casos idiopáticos em que na realidade ainda não sabemos porque é que esta doença aparece em determinado doente”, assegura o médico. Por isso, é muito difícil identificar fatores de risco e populações que sejam especialmente suscetíveis.

Sinais e sintomas  

Há vários sintomas associados a esta patologia.

“Os doentes sentem tipicamente que os alimentos param ou têm dificuldade em progredir ao longo do esófago”, descreve o médico. Esta sensação manifesta-se na região central do peito e tem o termo médico de disfagia. “A intensidade desta sensação pode variar em termos de frequência e severidade, sendo muitas vezes referida tanto para alimentos sólidos como líquidos”, acrescenta Pedro Barreiro. 

A regurgitação da comida é outro sintoma associado a esta patologia e acontece pela acumulação dos alimentos no esófago. É frequente esta regurgitação ocorrer horas depois de os alimentos terem sido ingeridos, ou mesmo quando os doentes já estão deitados.

Um terceiro sintoma é a dor retroesternal, atrás do peito, dados os espasmos, bem como o bloqueio dos alimentos no esófago.

Por último, se a patologia for grave e não for tratada, há um sinal importante, que é o emagrecimento dos pacientes. “Quando a incapacidade de se alimentar é mais expressiva, muitos destes doentes perdem peso, muitas das vezes de forma rápida e muito exuberante”, diz o especialista.

É frequente os sintomas surgirem de uma forma leve e inespecífica. Contudo, “à medida que o tempo passa, os sintomas vão-se tornando mais severos e expressivos”, descreve Pedro Barreiro, sublinhando que a disfagia e a perda de peso, quando surgem, devem servir como sinais de alarme para qualquer pessoa. 

“Não só porque são os sintomas típicos desta doença mas também porque se podem associar e estar presentes em outras doenças graves como sejam casos de cancro do esófago ou estômago cujo diagnóstico precoce é essencial”, alerta o médico, recomendando que as pessoas com estes sintomas procurem ajuda médica para esclarecerem a causa dos sintomas e poderem iniciar o tratamento adequado.

Consequências da doença

A primeira consequência óbvia da doença é o perigo de desnutrição do paciente ao longo do tempo, “com perda de peso e défices de vitaminas/nutricionais com as consequências que daí advêm”, diz Pedro Barreiro.

Uma segunda consequência tem que ver com a regurgitação, que acarreta um risco de o alimento ir parar aos canais respiratórios inadvertidamente. “Durante o processo de regurgitação pode ocorrer aspiração para as vias respiratórias resultando em quadros de infeções pulmonares recorrentes”, refere o médico.

Outro aspeto da doença está ligado aos ajustes e mudanças de comportamentos que os doentes fazem para tentar controlar os sintomas e a severidade da acalásia. “Muitas vezes, estes doentes adaptam-se comendo mais devagar, mastigam muito bem os alimentos, evitam alimentos que condicionam mais sintomas, tentam empurrar os alimentos com a ingestão de líquidos, por vezes sem grande sucesso”, exemplifica Pedro Barreiro.

Por outro lado, os doentes que regurgitam com frequência tendem a elevar a cabeceira da cama para minimizar o risco de regurgitarem durante a noite.  

A acalásia acaba por obrigar a várias mudanças no dia a dia dos doentes e, embora seja benigna, as suas consequência negativas repercutem-se não só a nível da saúde física dos doentes , “mas também do ponto de vista social, levando muitas vezes os doentes a evitarem refeições na companhia de outras pessoas e consequente isolamento”, explica Pedro Barreiro. 

O diagnóstico

Além das queixas e do relato dos sintomas por parte dos doentes, há dois exames clínicos que são determinantes para diagnosticar a acalásia. Um dos exames é uma endoscopia digestiva alta, onde se usa um tubo fino com uma câmara para a visualização direta do esófago.

“Em doentes com acalásia, neste exame vemos muitas vezes um esófago mais dilatado que o usual, com alguns resíduos alimentares e frequentemente um esfíncter esofágico inferior fechado, dificultando a passagem do próprio aparelho de endoscopia para o estômago”, explica o especialista. Além disso, com este exame é possível ainda excluir outras doenças que podem originar sintomas semelhantes, como o cancro do esófago e do estômago.

No entanto, há casos em que a endoscopia não consegue detetar sinais claros da acalásia. Quando isso acontece, é necessário realizar uma manometria de alta resolução. Através de um tubo muito fino que vai pelo nariz até ao estômago, este exame consegue medir a pressão de contração do esófago e do esfíncter esofágico inferior. 

Se este exame identificar “a tal barreira na passagem do esófago para o estômago, por uma contração muito intensa do músculo do esfíncter, e sem capacidade de relaxamento adequado”, então é possível estabelecer um diagnóstico somando os resultados da endoscopia e as queixas do doente, resume o médico.

Como tratar a acalásia 

O tratamento da acalásia passa sempre por “destruir” a barreira criada pelo esfíncter esofágico inferior que, nesta patologia, não permite a passagem do alimento para o estômago. Há várias técnicas que realizam esta “destruição” de formas diferentes.

“Uma das opções é a realização através de endoscopia de dilatação do esfíncter através da insuflação de balões ao nível da transição entre o esófago e o estômago de forma a ‘rasgar’ esse músculo e facilitar a passagem dos alimentos”, descreve o especialista, acrescentando que é uma técnica segura, eficaz e pouco invasiva. No entanto, “poderá implicar a realização de várias sessões ao longo da vida”.

A segunda opção passa por uma cirurgia. O cirurgião faz orifícios na barriga para conseguir aceder ao esófago e poder cortar o músculo do esfíncter esofágico inferior. Esse corte permitirá os alimentos voltarem a passar normalmente para o estômago. 
Por fim, surgiu na última década uma terceira técnica onde também se corta o músculo do esfíncter, acedendo-se ao esófago por via endoscópica. “Esta é uma abordagem cirúrgica minimamente invasiva que não é mais do que a realização da cirurgia clássica sem necessidade da realização de orifícios ou aberturas no abdómen”, distingue o médico. Chamada de miotomia endoscópica peroral, “esta técnica inovadora tem demonstrado resultados fantásticos”, conclui.

Em suma

Um doente com acalásia tem uma disfunção da válvula que faz fronteira entre o esófago e o estômago, e que impede os alimentos de passarem para o estômago, provocando uma sensação de mal-estar e o risco da desnutrição do doente. No entanto, há tratamentos que intervêm nesta válvula permitindo que a digestão volte a decorrer com normalidade.

Este artigo foi útil?

Revisão Científica

Dr. Pedro Barreiro

Dr. Pedro Barreiro

Hospital Lusíadas Lisboa

Especialidades em foco neste artigo

Especialidades em foco neste artigo

PT