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Cateterismo: diagnosticar e tratar doenças de coração

Conheça a técnica que, aliada a diferentes tecnologias, permite diagnosticar e tratar um conjunto cada vez mais abrangente de problemas cardiovasculares

O cateterismo é um procedimento clínico que faz parte da Cardiologia de Intervenção, um ramo da Cardiologia caracterizado pela utilização de técnicas minimamente invasivas para diagnosticar e tratar problemas cardiovasculares. Utilizando um cateter, permite chegar, por via percutânea (através da pele) e dos vasos sanguíneos, às estruturas do coração, evitando procedimentos mais complexos e invasivos.

“De forma sumária, o cateterismo é uma técnica minimamente invasiva em que, utilizando os vasos sanguíneos, conseguimos chegar às cavidades cardíacas e executar técnicas diagnósticas e terapêuticas”, resume Eduardo Infante de Oliveira, coordenador da Unidade Cardiovascular do Hospital Lusíadas Lisboa. 

Este procedimento, especifica o especialista, é realizado “através da punção de uma veia ou artéria”, onde se “introduzem cateteres até ao coração que permitem medir pressões, injetar contraste ou calcular débitos e resistências para fins diagnósticos.” Além disto, é também “possível executar inúmeras técnicas de intervenção terapêutica”, acrescenta. 

Esta é uma técnica muito abrangente que, através de diferentes tecnologias, tem vindo a especializar-se cada vez mais nos mecanismos de diagnóstico e tratamento a que recorre. É também muito abrangente quanto aos problemas de saúde que permite detetar e tratar, como é o caso de doença coronária, doenças valvulares, doenças congénitas, arritmias ou acidentes vasculares cerebrais.

Quais os benefícios do cateterismo?

“O enorme benefício do cateterismo é permitir, com técnicas de grande acuidade, diagnosticar e tratar doenças complexas de forma minimamente invasiva, por via percutânea”, destaca Eduardo Infante de Oliveira. 

Por isso, outra das grandes vantagens traduz-se na rápida recuperação e no menor risco face a procedimentos mais invasivos: “Ao realizarem um cateterismo, os pacientes fazem muitas vezes tratamentos muito complexos ao coração, mas podem rapidamente recuperar e voltar à sua vida normal, evitando tratamentos mais agressivos, como cirurgias complexas. Assim, melhoram a sua qualidade de vida e o seu prognóstico.”

Como pode ser usado para o diagnóstico?

O cateterismo pode ser usado para diagnosticar uma grande variedade de problemas cardíacos, através de diferentes métodos.

Angiografia - injeção de contrastes

“Na doença coronária, por exemplo, colocam-se cateteres que ficam à entrada das artérias que irrigam o músculo cardíaco, injeta-se contraste e, através de um angiógrafo (aparelho de raio-X), verifica-se o contraste a percorrer a artéria, o que permite verificar o calibre (diâmetro) dos seus diferentes segmentos. Se verificarmos que há uma zona com uma redução significativa de calibre, o cateterismo permite fazer o diagnóstico de doença coronária obstrutiva. Em contexto agudo, no enfarte do miocárdio, encontram-se artérias que estão completamente obstruídas”, descreve Eduardo Infante de Oliveira. A angiografia permite, ainda, avaliar as dimensões e função ventricular, a morfologia e dimensões de grandes vasos (ex: aorta e artéria pulmonar), regurgitações valvulares e comunicações intracardíacas anómalas.

Medição de pressões, débitos e resistências

Esta foi a primeira função do cateterismo, recorda Eduardo Infante de Oliveira: “Os primórdios do diagnóstico da doença valvular passavam pela medição das pressões antes e depois das válvulas: colocavam-se cateteres para registar a pressão das cavidades cardíacas (ventrículos, aurículas) e grandes vasos (aorta, artéria pulmonar), o que permitia documentar a resistência que as válvulas ofereciam. Hoje em dia, temos uma panóplia de outras técnicas diagnósticas que avaliam a doença valvular de modo não-invasivo. Contudo, a medição de pressões, débitos e resistências é, ainda hoje, determinante no diagnóstico e caracterização de doentes com hipertensão pulmonar e doenças cardíacas congénitas.”

A medição de pressões é também hoje utilizada de forma rotineira na obtenção de diagnósticos mais precisos no contexto da doença arterial. “Se na altura em que injetamos o contraste, tivermos uma zona com redução de calibre, mas apenas pela imagem ficamos com dúvida se aquele estreitamento da artéria merece ou não ser tratado, uma forma de trazer mais ciência ao diagnóstico é através da colocação de fios que têm sensores de pressão, para comparar a pressão antes e após a lesão. Através da relação entre estes pontos de pressão, conseguimos fazer um diagnóstico mais preciso das obstruções arteriais que são significativas.” Estes fios com sensores de pressão permitem, ainda, avaliar a resistência da microcirculação arterial. “Esta é uma técnica menos utilizada na prática clínica diária, mas é possível que passe a ser mais utilizada, à medida que compreendermos melhor os mecanismos de doença da microcirculação”, considera o especialista.


Imagem intravascular

As técnicas de imagem intravascular são de introdução mais recente e permitem recolher informação morfológica e anatómica com elevada definição. Por um lado, melhoram o diagnóstico, por outro, ajudam a guiar a terapia: “Conseguimos introduzir cateteres de micro dimensão com cristais piezoelétricos que emitem ultrassons (a mesma tecnologia que permite realizar ecografias) para colher imagens dentro do vaso”, explica Eduardo Infante de Oliveira. “A ecografia intravascular é uma técnica muito útil na avaliação e tratamento da doença coronária e a ecografia intracardíaca permite guiar intervenções em válvulas e encerramentos de comunicações anómalas entre cavidades cardíacas. Outra modalidade é a tomografia ótica, que funciona através de emissores de luz e que permite registar imagens de grande definição.” 

Com a evolução da tecnologia, a tendência é para que a acuidade diagnóstica do cateterismo aumente. “Um dos problemas que ainda hoje temos é a dificuldade em prever quais as placas de ateroma que vão estar associadas a um futuro enfarte”, explica o cardiologista. “Pretende-se que estas novas técnicas de imagem detetem vulnerabilidades nas placas, sinais de inflamação que possam identificar lesões de maior risco, de forma a que seja possível estratificar os doentes de forma mais rigorosa.”

Como pode ser usado para fins terapêuticos?

Além da utilização com finalidade de diagnóstico, o cateterismo pode ser usado no tratamento de vários problemas cardiovasculares.

Doença coronária

“Em doentes com angina de peito ou doentes com enfarte agudo do miocárdio é possível os dilatar segmentos doentes e implantar próteses intravasculares (stents) que restituem o calibre da artéria.”

Estenose aórtica

“Na estenose aórtica, uma doença típica do idoso em que a válvula degenera e perde a sua capacidade de abertura porque fica muito calcificada e rígida, é possível dilatar a válvula através de um balão, introduzido por via do cateterismo, e implantar uma nova válvula.” 

Os sintomas de estenose aórtica a que deve estar atento: 

  • Cansaço
  • Dor no peito 
  • Desmaio em pessoas idosas

O cansaço com intolerância/incapacidade para esforços ligeiros não deve ser encarado como normal no idoso. Este sintoma é motivo para procurar o médico, já que pode estar associado a estenose aórtica, uma doença cuja prevalência tem crescido de forma exponencial devido ao envelhecimento da população. A auscultação cardíaca é um gesto simples mas essencial para desencadear o processo diagnóstico e o encaminhamento atempado.


Defeitos congénitos

“É possível fazer a reparação de defeitos congénitos, como é o caso de  comunicações anómalas entre as cavidades cardíacas. Por exemplo, a persistência de permeabilidade do foramen ovale (canal que permite a comunicação entre as cavidades direitas e esquerdas do coração) permite a passagem de trombos entre a aurícula direita e a aurícula esquerda. Este mecanismo de passagem é importante em doentes jovens que sofrem de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Após avaliação multidisciplinar, estes defeitos podem ser encerrados por cateterismo, ajudando a diminuir o risco de reincidência de AVC.”

Em que contexto se realiza o cateterismo? 

Em ambulatório (consulta), os indivíduos podem ser referenciados para cateterismo por diversos motivos, nomeadamente: 

  • Por suspeita de doença coronária obstrutiva, em doentes com angina de peito ou equivalente, dor no peito associada a esforços, cansaço e/ou intolerância anormal ao esforço físico;
     
  • No esclarecimento de quadro de insuficiência cardíaca, em que se pretende excluir a presença de doença coronária obstrutiva;
     
  • Em doentes com doença valvular grave (ex: estenose aórtica, regurgitação mitral, regurgitação tricúspide, etc.), de modo a completar a investigação ou para proceder ao tratamento; 
     
  • Em doentes com hipertensão pulmonar, que necessitam de confirmação diagnóstica e caracterização adequada de modo a orientar a estratégia farmacológica; 
     
  •  Em doentes com defeitos congénitos que necessitam de completar a investigação ou de intervenção percutânea; 
     
  • Em doentes que beneficiam de técnicas de prevenção de AVC (ex. encerramento do apêndice auricular esquerdo; encerramento de foramen ovale permeável), etc.

“Habitualmente, além da história e observação clínica, há um conjunto de outros exames complementares que orientam o médico para a opção de realizar um cateterismo”, contextualiza Eduardo Infante de Oliveira. 

Por outro lado, num contexto agudo, o cateterismo pode ser realizado quando há suspeita de enfarte: “Uma vez no serviço de urgência, estabelecendo-se a suspeita de enfarte, o cateterismo pode ser realizado de imediato ou nos primeiros dias de internamento, de
acordo com a tipologia do enfarte”, explica o especialista.

Os sintomas de enfarte a que deve estar atento:

  • Pressão ou aperto no centro do peito com irradiação para a mandíbula, os membros superiores ou o dorso, por vezes acompanhada por:
  • Falta de ar ou dificuldade em respirar
  • Náuseas e vómitos
  • Transpiração intensa

Se tiver este quadro clínico, com predomínio da pressão ou aperto no peito, ligue 112, de forma a ser encaminhado rapidamente para um centro onde possa ser feito um cateterismo. Não se desloque por meios próprios: o transporte deve ser feito por profissionais de saúde treinados em situações de urgência.


Na prática, como se processa um cateterismo?

Grande parte dos cateterismos são feitos com anestesia local, com o doente deitado na marquesa da sala de angiografia. Num cateterismo cardíaco coronário, “é injetado o anestésico na zona onde se realiza a punção arterial, procede-se à punção da artéria e à colocação de um introdutor — habitualmente na artéria radial (no braço, na zona do punho) — pelo qual é possível introduzir cateteres até ao coração, de forma a injetar o contraste nas coronárias”, descreve Eduardo Infante de Oliveira. Caso seja necessário realizar intervenção de tratamento – angioplastia coronária – pode ser feita pela mesma via”.

Assim que terminar a intervenção, o doente pode sair da marquesa pelo seu pé, tendo apenas de ter alguns cuidados com o local da punção. Durante as primeiras horas, senta-se confortavelmente num cadeirão a recuperar, a ler ou a tomar uma refeição, enquanto deixa em repouso o membro onde foi realizada a punção.

O procedimento pode variar dependendo do contexto e da finalidade do cateterismo. “O cateterismo de urgência para o enfarte também é realizado, mais de 90% das vezes, por via radial, o que permite um grande conforto para o doente e diminui o risco de sangrar. Nas intervenções valvulares, normalmente utilizamos bainhas de maiores dimensões, com acesso na zona inguinal (virilha).

O indivíduo permanece normalmente mais tempo no hospital, mas, se comparamos com a alternativa, que é a cirurgia, deambula e vai para casa muito mais cedo. Um doente com boa capacidade de mobilidade pode ir para casa 24 ou 48 horas após uma intervenção valvular complexa”, descreve o cardiologista. 

Quais os cuidados a adotar?

Para salvaguardar a segurança na realização do cateterismo, há alguns cuidados a ter em conta:

  • É preciso confirmar a existência de alergia ao contraste. A existência de alergia não contraindica a realização do procedimento, mas é importante que a alergia seja previamente sinalizada para que o paciente possa ser preparado com medicamentos adequados e para que a administração do contraste decorra de forma segura;
     
  • É muito importante o doente indicar se está a tomar fármacos anticoagulantes. O cateterismo pode ser realizado mesmo sob ação destes medicamentos, mas é muito importante alertar os profissionais de saúde que vão realizar o procedimento para que possam decidir se é preciso suspender temporariamente a toma. 

 

Existem contraindicações? 

Em algumas patologias e grupos de doentes, poderá ser mais vantajoso considerar outras opções terapêuticas. “Por exemplo, doentes jovens com doença valvular são habitualmente encaminhados para cirurgia. Isto porque sabemos que neste grupo etário a cirurgia é segura e proporciona resultados duradouros”, explica o especialista.

“Também em doentes muito complexos do foro coronário (quando estão associados a diabetes ou compromisso grave da função sistólica), a evidência mostra que os resultados cirúrgicos a médio/longo prazo são mais interessantes do que a intervenção realizada por via percutânea. Ou seja, a via percutânea não está contraindicada nestes doentes, mas a cirurgia deverá ser a primeira linha de tratamento a considerar. A decisão é, muitas vezes, complexa, sendo benéfico envolver uma equipa multidisciplinar, de modo a escolher a melhor opção tendo em conta as particularidades de cada doente.”

Tome nota

A Cardiologia de Intervenção é uma subespecialidade da Cardiologia em que, através de cateteres, são aplicadas técnicas terapêuticas para tratar a doença cardíaca de forma minimamente invasiva.

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Dr. Eduardo Infante de Oliveira

Dr. Eduardo Infante de Oliveira

Coordenador da Unidade de Cardiologia

Hospital Lusíadas Lisboa

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