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Devemos conversar com as crianças sobre a guerra?

Colaboração
As notícias, redes sociais e televisões estão repletas de informação e imagens relativas à guerra que estalou na Ucrânia. Proteger as crianças e jovens é fundamental, mas é também importante responder adequadamente às suas questões.

Na manhã de 24 de fevereiro acordámos todos para a mesma notícia: a Rússia invadiu a Ucrânia e iniciou-se, desta forma, uma guerra na Europa. Os canais de televisão, os sites de notícias e as redes sociais foram, desde então, invadidas por informação relativa ao tema, dando conta de cidades invadidas, bombardeamentos e vidas perdidas. 

Para todos, a gestão emocional em torno do conflito é um desafio e as crianças e jovens não são uma exceção. Fica a questão: devemos vedar-lhes o acesso ao tema ou devemos conversar com elas sobre ele?

Falar sobre a guerra depende da idade

Para Inês Almeida, psicóloga na Clínica Lusíadas Gaia, depende da idade da criança: “Se as crianças não demonstrarem interesse em conversar sobre a guerra, não existe nenhuma necessidade e vantagem de abordarmos este tema em idade pré-escolar.” 

Desta forma, o assunto deverá ser “omitido pelos adultos, que não devem conversar sobre a guerra juntos das crianças, evitando ver notícias, nomeadamente imagens, que é o que mais choca.”

Em idade escolar acontece o oposto. Para Inês Almeida é “fundamental” conversar com as crianças e jovens sobre a guerra na Ucrânia. A psicóloga tem, inclusivamente, notado interesse no tema em contexto de consulta: “As crianças pedem-me para falar sobre este assunto. Disponibilizamo-nos para escutar os seus receios, sentimentos e, principalmente, para conversar com elas, esclarecendo as suas dúvidas.”

Mas a conversa deve estar ajustada à faixa etária: “A informação que nós lhes damos deve estar sempre adaptada à sua idade, maturidade, experiência de vida e capacidade de compreensão. Devemos explicar o que se está a passar, com clareza, desmistificando, racionalizando a informação e tranquilizando-as.”

Por que não deve evitar falar sobre a guerra

Inês Almeida indica que existem perigos ao evitar falar do tema da guerra com as crianças e jovens, sobretudo quando estas estão ativamente à procura de respostas. “Podem percecionar maior ansiedade ao sentirem que ninguém quer ou pode falar com eles acerca deste tema.”

Face a um adulto que está a “ignorar o assunto ou que não quer conversar sobre sentimentos desagradáveis, a criança ou jovem pode entender negativamente esta atitude, assumindo até que o adulto não é capaz de lhe dar o suporte emocional de que ela necessita neste momento.”

Assim, escutar a criança, demonstrar empatia e procurar dar apoio considerando os seus pensamentos e sentimentos em relação ao conflito na Ucrânia é essencial para o bem-estar emocional das crianças e jovens.

12 dicas para falar com as crianças sobre a guerra

A pensar no desafio, a Ordem dos Psicólogos publicou "Conversar sobre a guerra: perguntas e respostas para pais e cuidadores de crianças e jovens", uma espécie de manual dedicado exclusivamente ao diálogo com os mais novos sobre a guerra. 

Frisa que o conflito atual — disseminado por todos os meios de comunicação — pode deixar um impacto profundo nos mais novos, mas ressalva que, apesar de ser importante protegê-los, também é fundamental saber escutá-los e responder às questões que colocam, de forma adequada. 

Face à complexidade do assunto, para que não se sinta perdido, deixamos-lhe 12 sugestões da Ordem dos Psicólogos sobre como falar com as crianças sobre a guerra. 


1. Permitir à criança/jovem expressar os seus pensamentos e sentimentos

Dizer à criança/jovem que estamos disponíveis para os escutar e para falar sobre o assunto. Perguntar-lhe o que pensa sobre a guerra, se está assustada ou preocupada. Mesmo que respondam que “não”, estamos a dar-lhes indicação de que é natural que tenham esses sentimentos e de que podem falar sobre eles, se quiserem. Algumas crianças podem não ser capazes de falar sobre os seus pensamentos, sentimentos ou medos, mas podem sentir-se mais confortáveis em desenhar, brincar ou contar histórias direta ou indiretamente relacionadas com o que está a acontecer. É natural também que possam fazer as mesmas questões ou comentários repetidamente, até que a informação lhes faça sentido.

2. Escutar e descobrir o que a criança/jovem já sabe

Mais importante do que explicar ou fornecer informação sobre a guerra, é ouvir o que a criança queira, espontaneamente, comentar ou questionar. A melhor abordagem é deixar as preocupações das crianças, nas suas próprias palavras, guiar a direção e a profundidade da conversa. Embora também possamos suscitar as suas opiniões fazendo perguntas abertas – por exemplo, “Já ouviste falar sobre a guerra que está a acontecer?”. As crianças/jovens podem já ter contactado com informação acerca da guerra através dos meios de comunicação social, da escola ou dos amigos. Saber o que já sabem pode ser um bom ponto de partida para a conversa. Bem como estarmos atento/as ao que não dizem – as expressões faciais, os gestos ou tom de voz, por exemplo, também podem revelar emoções.

3. Validar os sentimentos da criança/jovem

É importante comunicar à criança que compreendemos que o que está a acontecer nesta situação de guerra é confuso e complicado. Não sentimos como grande ajuda quando alguém nos diz “Não te preocupes!”, acerca de algo que nos preocupa, por isso, devemos evitar dizê-lo às crianças e jovens. Por exemplo, dizer “Pareces triste quando falamos sobre isto. Eu também estou triste”, comunica à criança que os seus sentimentos são naturais, compreensíveis e que o adulto se sente de forma semelhante e está a aprender a lidar com isso. Não julgar a criança/jovem pela forma como se sente, mesmo que nos pareça fazer pouco sentido. Se não compreendermos algo, devemos mostrar respeito e pedir que explique novamente.

4. Adequar a linguagem e a informação à idade da criança/jovem

Por exemplo, a uma criança mais nova podemos dizer “Algumas pessoas, noutros países, discordam em coisas que são importantes para eles. E, às vezes, quando isso acontece, há uma guerra. A guerra não está a acontecer perto de nós e não corremos qualquer perigo. Estamos seguros”. É importante sermos honestos e não minimizarmos a gravidade da guerra, contudo, por outro lado, não há necessidade de sobrecarregar a criança/jovem com informação desnecessária e que pode não conseguir processar. É fundamental considerar também as experiências e as circunstâncias de cada criança/ jovem (por exemplo, o facto de serem filhas/os de militares).

5. Assegurar às crianças e jovens de que estão protegidos e seguros

Sobretudo as crianças mais novas interpretam o que acontece de uma forma que não tem lógica para os adultos e que lhes pode causar medos. Por exemplo, podem pensar que “se há uma guerra na televisão, também pode haver uma na escola” ou “se há um míssil que pode voar até lá, também podem voar até casa”. Por isso, é importante repetir-lhes que estão protegidas e seguras (e a sua família também). É uma boa ideia reforçar o contacto físico (por exemplo, abraços, beijos) e manter as rotinas habituais.

6. Sublinhar que há esperança e muitas pessoas a tentar ajudar

Mesmo em situações terríveis, como a guerra, encontramos sempre pessoas que se esforçam arduamente por ajudar os outros (políticos e diplomatas, mas também, por exemplo, médicos, enfermeiros, militares, polícias, bombeiros, voluntários). Sublinhar estes atos de coragem, bondade e serviço aos outros recorda às crianças e aos jovens que, apesar de existirem situações de grande adversidade e maldade, também existem sempre atos de humanidade e amor entre as pessoas. É igualmente importante enfatizar que todas as guerras acabam e que podem existir soluções não violentas para a paz.

7. Assistir às notícias em conjunto com as crianças mais velhas e jovens

No caso das crianças mais novas, é importante restringir o acesso à informação veiculada na comunicação social, evitando que sejam expostas a imagens e informação que as pode perturbar (não só através da televisão, mas também das plataformas através das quais acedem à internet). No caso das crianças mais velhas e dos jovens, a abordagem mais adequada será ler ou assistir às notícias em conjunto, encorajando-as a dar a sua opinião e a colocar questões (limitando esses momentos a não mais do que uma/duas vezes por dia).

8. Evitar estereótipos

Seja qual for a nossa opinião sobre a guerra ou os países envolvidos, devemos evitar imagens e linguagem que polarizem, colocando em oposição “os bons” e “os maus”, os “do lado certo” e “os inimigos", os “países bons” e os “países maus”. É igualmente importante não estereotipar grupos de pessoas pela sua pertença cultural, nacionalidade ou religião. Pelo contrário, esta pode ser uma oportunidade para promover a tolerância e a compaixão, o respeito por todos e pela diversidade, bem como explicar o que são preconceitos e estereótipos. No caso das crianças mais velhas, podemos ainda ajudá-las a compreender que a guerra traz consequências — individuais e sociais  — para ambos os lados. Conversar sobre a complexidade da guerra pode encorajar os jovens a serem mais empáticos e sensíveis aos diferentes pontos de vista.

9. Utilizar a conversa para encorajar a discussão de outros temas

Uma conversa sobre a guerra pode evoluir para uma conversa sobre outras questões difíceis de resolver na nossa vida. Podemos utilizá-la para estimular o desenvolvimento das crianças e jovens noutras áreas. Por exemplo, podemos aproveitar para falar sobre como ajudar pessoas que não conhecemos, ou como resolver situações de conflito ou bullying.

10. Encorajar comportamentos pró-sociais

As crianças e os jovens podem sentir-se mais seguros e confiantes quando sentem que podem fazer algo para ajudar. Por isso, podemos encorajar os seus comportamentos pró-sociais, debatendo hipóteses de ajudar e fazer a diferença (por exemplo, fazer doações de bens materiais para instituições que ajudam crianças que estão a vivenciar situações de guerra ou escrever uma carta aos decisores políticos ou ao jornal local). Um dos primeiros passos pode ser também aprender mais sobre o assunto e organizar um grupo de discussão junto de colegas ou pessoas da comunidade.

11. Monitorizar o stresse a saúde psicológica das crianças/jovens

A guerra pode afetar mais umas crianças do que outras. É natural que se sintam confusas, perturbadas ou ansiosas. No entanto, alterações duradouras do comportamento e do sono, preocupação constante com o assunto e medo da morte, podem constituir sinais de alerta. Experimente a preencher a Checklist Como me Sinto? (sobre Crianças e Adolescentes, para Pais, Educadores e Professores). Nesse caso, é importante procurar ajuda – um psicólogo ou psicóloga podem ajudar.

12. Monitorizar e cuidar da nossa Saúde Psicológica

 As crianças e os jovens aprendem a lidar com a adversidade e com o que acontece à sua volta observando a forma como os adultos das suas vidas o fazem. Por isso, é importante sabermos que a forma como respondemos ao stresse e comunicamos sobre a temática da guerra, vai influenciar a reação das crianças e jovens de quem cuidamos. É natural que também nos sintamos ansiosos com a guerra e podemos dizer à criança/jovem que também sentimos medo —  sem a sobrecarregar com as nossas emoções, mas sim focando-nos na forma como estamos a lidar com esses sentimentos.

Nós, os adultos, podemos modelar a ideia de que existem, de facto, coisas muito difíceis e assustadoras no mundo, mas também que podem ser ultrapassadas (e como). 


 

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Dra. Inês Almeida

Dra. Inês Almeida

Clínica Lusíadas Gaia
Hospital Lusíadas Porto

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