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Reabilitação Cardíaca: o exercício físico é o melhor remédio para o coração

Colaboração
Um programa que contribui para a melhoria de vida de quem tem doenças cardiovasculares e de quem corre o risco de desenvolver patologia cardíaca. 

O exercício físico está longe de ser uma prática que interfere apenas no peso e na aparência física do nosso corpo. Considerado um dos pilares fundamentais para uma vida equilibrada, impacta todo o nosso organismo, tendo especial influência na saúde do nosso coração. É um verdadeiro remédio, mostram os resultados do programa de Reabilitação Cardíaca do Hospital Lusíadas Porto. 

Mas do que se trata? É uma modalidade terapêutica que tem na sua base um programa de treino de exercício físico individualizado e essencial para pessoas com doença cardiovascular ou em risco de desenvolvimento de patologia cardiovascular. 

Com duração de entre 8 a 12 semanas (dependendo do doente, da sua patologia e estado de condição física), é um complemento à terapêutica farmacológica, acontecendo em dois momentos distintos: primeiro no ginásio do hospital, depois em casa, mas com supervisão permanente e à distância dos especialistas através de um smartwatch que permite ao médico analisar as sessões de treino.

Mário Santos, cardiologista e coordenador da equipa do programa de Reabilitação Cardíaca do Hospital Lusíadas Porto, fala nos objetivos deste protocolo. “O primeiro é controlar os fatores de risco e otimizar o tratamento da doença cardíaca que o doente tem”, aponta o especialista. “O outro objetivo é recondicionar o doente através de uma prescrição de exercício físico individualizada e que tenha em consideração as suas características, de forma a que seja o mais eficaz e o mais seguro possível”.

Reabilitação Cardíaca

A ciência já veio provar a eficácia desta modalidade no tratamento de patologias cardiovasculares: “Ensaios clínicos mostram que estes programas não só melhoram a qualidade e funcionalidade de vida de pessoas com patologia cardiovascular ou com fatores de doença cardiovascular, como interferem na história natural da doença”, explica.

Ou seja: o programa de Reabilitação Cardíaca consegue diminuir as hospitalizações e a descompensação de doenças cardiovasculares já existentes, melhorando, em simultâneo, a qualidade de vida dos doentes.

Para quem é dirigido o programa de Reabilitação Cardíaca? 

Mário Santos explica que há dois grandes grupos. Por um lado, é recomendado para pessoas que têm doença cardíaca diagnosticada: que têm história prévia de ataque cardíaco, que já foram submetidas a cateterismo cardíaco ou que têm insuficiência cardíaca. Por outro, é ainda muito benéfico para doentes que, não tendo doença cardiovascular, apresentam um risco elevado de a vir a desenvolver, pela presença de outras patologias e condicionantes, como diabetes, pressão arterial elevada ou obesidade.  

Quem beneficia do programa de Reabilitação Cardíaca?

  • Síndrome coronário crónico (angina estável)
  • Pós-síndrome coronário agudo
  • Pós-revascularização coronária (percutânea ou cirúrgica)
  • Insuficiência cardíaca
  • Pós-cirurgia cardíaca de substituição valvular ou TAVI
  • Doença arterial periférica
  • Risco cardiovascular elevado

O especialista indica ainda outro possível perfil: “Pode ainda ser recomendado a doentes que estão ou estiveram num processo de quimioterapia, que tem efeitos secundários no coração, como é frequentemente o caso do cancro da mama.”

Apesar destes contextos distintos, os benefícios deste programa são iguais para todos: “Aumento da qualidade de vida e da capacidade funcional. Quem tem doença cardiovascular terá menor probabilidade de descompensações. Quem não tem a doença, reduz a possibilidade de a vir a desenvolver no futuro.”

Resultados de estudos mostram benefícios especialmente positivos em doentes com insuficiência cardíaca: “Os programas de Reabilitação Cardíaca foram criados a pensar no doente que teve um enfarte, que fez o cateterismo e que teve alta. Mas, nas últimas décadas, tem havido bastantes ensaios clínicos que mostram que doentes com insuficiência cardíaca, em que o principal sintoma é intolerância ao esforço, a falta de ar com o esforço, melhoram do ponto de vista funcional, reduzindo substancialmente a necessidade de hospitalização por descompensação da doença.”

O Programa de Reabilitação Cardíaca é marcado ainda pela intervenção multidisciplinar. “Na consulta inicial, identificando problemas como obesidade, diabetes ou depressão, nós referenciamos a consulta de nutrição, a colegas da Endocrinologia, Psicologia ou Psiquiatria, até porque há por vezes dificuldade de aceitação de que a vida mudou, no caso de pessoas jovens que tiveram um enfarte, que passam a ter uma doença crónica, que é para sempre.”

Como é que se concretiza o Programa de Reabilitação Cardíaca? 

Tudo começa com uma consulta com um médico cardiologista, que, conforme o paciente, avalia a doença cardiovascular ou os fatores de risco que poderão potenciar o seu desenvolvimento.

Num segundo momento, faz-se uma avaliação de risco: numa passadeira, o indivíduo faz uma prova de esforço, que fornece informação que vai permitir ao especialista fazer a prescrição de um treino individualizado, estabelecendo um nível de intensidade, duração ou frequência. Esta prova é realizada com uma máscara, que permite medir os níveis de oxigénio e de dióxido de carbono que o corpo consome e gera durante essa prova. “Isto permite-nos perceber quando é que o organismo entra em exaustão.”

O passo seguinte é a integração num programa de treino supervisionado, que pode incluir até três grupos de exercícios:

  • O aeróbico, ou seja, treino em bicicleta, passadeira, entre outros; 
  • O isométrico, para aumento de força muscular, importante para a eficiência dos movimentos dos exercícios aeróbicos;
  • Treinos do músculo respiratório, para melhoria da eficiência respiratória. 

Com um treino de intensidade crescente, “a progressão dos doentes é significativa, em poucas semanas, a pessoa passa a fazer coisas que não fazia sem sintomas.”

Um programa com duas etapas

O Programa de Reabilitação Cardíaca acontece em duas etapas distintas: a presencial e no domicílio. O paciente começa por treinar duas vezes por semana no ginásio do hospital, com base no treino prescrito pelo especialista e com o acompanhamento e supervisão do fisiologista de exercício. 

Num segundo momento, o programa continua em casa. O paciente leva consigo um relógio, que se conecta a uma aplicação que deverá ser instalada no smartphone: por um lado, permite consultar o seu programa de treino e, por outro, permite aos especialistas monitorizarem a evolução e estado de saúde do indivíduo. ” Conseguimos ver se está a atingir a intensidade necessária, se está a cumprir as recomendações e vigiarmos também a segurança do treino.”

Reabilitação Cardíaca

Durante esta segunda parte do programa, “o contacto é feito sobretudo à distância, através do telefone”, explica Mário Santos. Nesta chamada é feita uma avaliação de segurança, tendo em conta potenciais sinais e sintomas de alarme; é avaliada e promovida a adesão terapêutica e realiza-se ainda a represcrição de exercício de acordo com a resposta do indivíduo ao treino.

“No final do programa, há uma nova consulta, com nova prova de esforço, onde se reavalia a progressão, onde se faz uma nova prescrição e onde se faz uma otimização da terapêutica, se necessário.”

O objetivo deste programa é que quem passe por ele seja capaz de manter uma rotina de treino de forma autónoma, levando consigo os benefícios desta prática: “A ideia é que o doente não tenha de ficar a fazer exercício no hospital para sempre, mas que possa aprender os seus limites, a interpretar os sinais do seu corpo e a intensidade que deve atingir para poder manter os ganhos em termos de saúde cardiovascular.”

Uma programa multidisciplinar que reeduca 

Este é um programa com duplo efeito. Além de ser uma modalidade que melhora a saúde cardiovascular, é um programa que reeduca. “O evento cardiovascular tem muitas vezes como causas um conjunto de comportamentos ligados ao estilo de vida, como má alimentação, tabagismo ou falta de exercício físico. Mas, se depois o indivíduo passar pela experiência de um ataque cardíaco, fica com medo de se exercitar.”

É preciso, de forma acompanhada e estruturada, quebrar esse receio e alterar o estilo de vida. “Estes programas também servem para a reeducação. Tranquilizam o doente e mostram que é possível fazer exercício com segurança, que é possível mudar o estilo de vida, mesmo que haja uma doença cardiovascular diagnosticada.”

Até porque está provado que o exercício é um verdadeiro remédio para este músculo que é o coração. “Depois de uma sessão de exercício, são libertadas centenas de moléculas para a circulação que têm no seu conjunto um resultado muito benéfico nos mecanismos da doença cardíaca. Faz com que o coração contraia melhor, relaxe melhor. Faz com que os vasos dilatem, a pressão arterial baixe”, explica Mário Santos. “Portanto, existe uma relação direta entre o exercício e os mecanismos da doença cardíaca.”

Além desta influência direta na saúde do coração, o exercício é capaz de agir sobre os fatores que potenciam o desenvolvimento ou agravamento de patologias cardiovasculares. ”O exercício atua nos fatores de risco que perpetuam a doença do coração, desde a hipertensão arterial, o colesterol, à forma como o corpo responde aos açúcares.”

É por tudo isto que quem tem patologia cardíaca e se submete a este programa,“vive mais anos e com menos problemas”, termina o especialista. 

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Prof. Dr. Mário Santos

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Hospital Lusíadas Porto

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