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Demência: ajudar doentes e familiares / cuidadores

A deteção precoce e a forma de lidar com a demência, nem sempre são fáceis. Muitas vezes a demência é confundida com o envelhecimento normal ou com outras patologias e os familiares confrontados com a nova situação começam a manifestar dificuldades por não a saberem gerir. Filomena Santos, psicóloga clínica do Hospital Lusíadas Porto, sugere algumas orientações.

O que é

A demência é uma situação clínica cuja prevalência tem vindo a aumentar. Caracteriza-se por alterações cognitivas que podem estar associadas a:

  • Perda de memória. Dificuldade em aprender novas informações; esquecer-se dos nomes de pessoas conhecidas, de recados importantes ou repetir várias vezes os mesmos assuntos;
  • Alterações da linguagem. Dificuldade em encontrar palavras adequadas para se expressar ou atribuir nomes errados aos objetos;
  • Desorientação no tempo ou no espaço. Por exemplo, não saber o dia da semana, o mês ou o ano, ou perder-se em lugares familiares;
  • Alterações das funções executivas que interferem na gestão do dia a dia.

A pessoa com demência pode também manifestar outro tipo de sintomas não cognitivos, tais como alterações do comportamento e da personalidade, perturbações emocionais e dificuldades no relacionamento social.

Trata-se, pois, de um declínio em um ou vários domínios cognitivos e que representam uma deterioração significativa em relação ao nível de funcionamento prévio da pessoa e com impacto negativo na gestão do quotidiano.

Há vários tipos de demência – Doença de Alzheimer, Demência Vascular, Demência Frontotemporal, Demência com Corpos de Lewy, entre outras, que numa fase inicial apresentam manifestações (conjuntos de sintomas) diferentes.

Fatores de risco

Apesar de a idade ser o maior fator de risco para demência, esta também pode ocorrer em população mais jovem, a partir dos 30/40 anos.

É importante salientar outros fatores que podem não apenas promover, como também agravar a demência. Estes podem estar relacionados com baixa literacia, perda de audição, depressão, lesão cerebral traumática ou com estilos de vida pouco saudáveis em que prevalece o sedentarismo, a inatividade física, o consumo de álcool excessivo, tabagismo, obesidade, hipertensão, diabetes, e o isolamento social (1). Outros fatores podem ainda estar relacionados com a qualidade do ar, da água ou dos alimentos consumidos (causas ambientais), entre outros.

Causas

É importante determinar a origem ou a causa da demência pois esta tem um papel essencial na abordagem clínica, na monitorização, no sucesso terapêutico e, ainda, no prognóstico de curto e de médio prazo.

As causas podem ser inúmeras, sendo a degenerativa a mais frequente com atrofia cerebral, perda de conexão neural e morte celular. Seguem-se as causas vasculares, com situações decorrentes da presença de patologia vascular cerebral. Muitas vezes estas duas situações podem coexistir e potenciam-se uma à outra. Nestes casos, considera-se uma causa/etiologia mista.

Há ainda causas relacionadas com a presença de outras doenças neurológicas como, por exemplo, a doença de Parkinson ou condições médicas como a lesão cerebral traumática; a infeção pelo HIV; o uso de substâncias tóxicas; medicação induzida, etc.

Demência e fases de evolução

Dada a existência de vários tipos de demência com características clínicas diferentes, é natural que o percurso evolutivo de cada situação vá depender do tipo de demência diagnosticado.

Algumas pessoas não apresentam queixas por não terem consciência crítica das suas capacidades cognitivas. Nestes casos, quando são questionadas, estas pessoas referem não ter problemas ou atribuem as suas dificuldades a outros motivos que não as alterações cognitivas.

Outras pessoas com demência mantêm algum juízo crítico, pelo que sofrem e ficam preocupadas com a situação.

Como a demência se trata de um processo evolutivo, a literatura classifica este percurso em diferentes etapas agrupadas segundo o menor ou maior compromisso cognitivo e o seu impacto na funcionalidade da pessoa, ou seja, na capacidade de esta gerir a sua vida. A evolução da demência pode situar-se em fase inicial/ligeira, fase moderada ou fase grave.

Fase inicial/ligeira

  • A pessoa manifesta dificuldades de memória, tais como recordar-se de eventos recentes. Para se orientar no tempo, a pessoa necessita de elaborar listas, de fazer anotações ou de recorrer ao calendário;
  • Ao ler um livro ou a ver um filme, a pessoa precisa de lembretes ocasionais ou de efetuar uma nova leitura para conseguir acompanhar a narrativa;
  • A pessoa pode apresentar alterações de linguagem, manifestando dificuldade em encontrar as palavras adequadas para se expressar; substitui termos específicos por genéricos; utiliza muitas vezes palavras como “coiso” por ter dificuldade em nomear objetos familiares e do quotidiano e evita nomear pessoas conhecidas por não se recordar do seu nome;
  • A pessoa pode evidenciar perda da noção de tempo (não sabe qual o dia da semana, do mês e do ano), podendo ainda apresentar desorientação no espaço, perdendo-se em lugares familiares e necessitar de ajuda para se orientar;
  • A pessoa pode manifestar dificuldade com o cálculo (por exemplo, precisa de ajuda para escolher notas ou as moedas necessárias para efetuar pagamentos);
  • Começa a ter dificuldade em ajuizar e interpretar os atos ou as atitudes dos outros; ou em realizar as tarefas domésticas mais complexas, preparar refeições, gerir a medicação, as finanças, etc.

Fase moderada a grave

  • As perdas cognitivas são mais acentuadas afetando mais a capacidade de realizar as tarefas domésticas, mesmo as mais simples, assim como a capacidade de comunicar e de se relacionar;
  • A pessoa passa a ter dificuldade nas atividades básicas de vida, tais como a vestir-se adequadamente, fazer a sua higiene ou a usar corretamente os talheres para se alimentar, ir ao WC, etc;
  • Nestas fases a pessoa começa a estar dependente e incapaz de cuidar de si mesma e necessita de apoio de terceiros dado as dificuldades que sente em gerir o seu quotidiano;
  • Também podem ocorrer alterações psicológicas e comportamentais, como agressividade, agitação, comportamento de oposição, deambulação, alucinações, entre outras, que conduzem a um maior desgaste e exaustão física e psicológica dos familiares e cuidadores.

Deteção precoce: sinais de alerta e o que fazer

A deteção precoce de um processo demencial nem sempre é fácil. Por vezes, pode ser confundida com o envelhecimento normal e, em outros casos, poderá ser o resultado de comorbilidades (associação de uma ou mais doenças numa só pessoa) muito frequentes nas pessoas de idade e que são, também elas, causadoras de perturbação cognitiva.

Para um diagnóstico precoce da demência é necessário saber diferenciar entre as mudanças características do envelhecimento normal e os primeiros sinais de demência ou outras situações clínicas.

A Alzheimer Association (2) publicou uma lista com os dez sinais de alerta para a demência, sendo estes:

  • Perda de memória;
  • Dificuldade em planear ou em resolver problemas;
  • Dificuldade em executar tarefas domésticas que lhe são familiares;
  • Alterações da linguagem;
  • Perda da noção do tempo e desorientação espacial;
  • Dificuldade em perceber imagens visuais e as relações espaciais;
  • Trocar o lugar das coisas;
  • Discernimento fraco ou diminuído;
  • Afastamento do trabalho e da vida social;
  • Alterações do humor e da personalidade.

Na evolução mais comum da doença de Alzheimer (existem outras manifestações atípicas), o primeiro sintoma é a perda de memória. No entanto, esta também está presente no envelhecimento considerado normal pelo que muitos familiares não valorizarem esta perda mnésica, pois associam-na a um processo natural.

Só mais tarde, quando há maior agravamento da situação clínica, é que as pessoas recorrem ao sistema de saúde, o que vai prejudicar o doente, pois o processo de demência já está mais avançado. Nesse sentido, quando há queixas cognitivas do próprio ou quando os familiares reconhecem que essas alterações cognitivas interferem na rotina diária, é importante que a pessoa seja orientada para equipas da especialidade onde deverá ser avaliada por vários profissionais.

Além da avaliação multidisciplinar, devem ser realizados vários exames, entre os quais uma avaliação neuropsicológica, para se identificar se os défices de memória ou outros défices cognitivos estão associados ao início de demência, ou de outras patologias (se são défices patológicos) ou se fazem parte do envelhecimento dito normal.

Nesta fase da vida também é frequente que as pessoas mais velhas desenvolvam perturbações de humor, estados depressivos ou outras patologias mentais que, por si só, podem ser causadoras de determinadas perdas cognitivas. Por isso, são inúmeras as vantagens de um diagnóstico precoce, preciso e fiável, que discrimine as diferentes condições clínicas e cognitivas de forma a ser possível o tratamento mais adequado.

Demência: aprender a lidar

Não existe ainda um tratamento curativo para a maioria das demências, nem para a doença de Alzheimer em particular. Contudo, sabe-se que quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais rapidamente podem ser implementados vários tipos de abordagens – desde a farmacologia (toma de medicação) até às intervenções psicológicas e psicossociais que vão influenciar o curso da doença e permitir não só atrasar a evolução da demência, como melhorar algumas áreas cognitivas e funcionais.

Caso se confirme o diagnóstico, o tratamento deve centrar-se no doente e nas suas necessidades e não apenas na demência. Medidas que reduzam o risco de maior disfunção cognitiva como incentivar a pessoa a manter hábitos de vida saudáveis (como praticar atividade física e seguir uma alimentação saudável e atividades sociais), a reabilitação cognitiva e realizar práticas como a meditação/mindfulness, entre outras, devem ser implementadas. (3)

Cuidadores e família: erros a evitar

 A falta de formação dos familiares e dos cuidadores sobre a forma como devem gerir as situações mais complexas do curso da demência é uma das principais razões para o agravamento e descompensação das situações clínicas

A falta de preparação também é muitas vezes um fator gerador de sobrecarga familiar, burnout, depressão dos cuidadores e um preditor da institucionalização da pessoa com demência.

O desgaste do familiar/cuidador potencia alterações do comportamento do doente com demência, especialmente comportamentos agressivos.

A literatura recomenda vários programas para os familiares e cuidadores melhorarem as suas competências de cuidar (4), seja com um objetivo pedagógico (apoio psicoeducativo individual ou em grupo) (5), seja para a aquisição de competências psicológicas e estratégias de coping (ou seja, para aprender a lidar com a situação) centradas na resolução de problemas e na gestão emocional.

Há outras estratégias disponíveis para os cuidadores – desde grupos de ajuda mútua, apoio psicológico, etc. Estas medidas conduzem a boas práticas na gestão da pessoa com demência e ensinam quais os comportamentos a evitar. Estes são, genericamente, todos os que destabilizam o bem-estar do doente e que promovam condutas disruptivas como a confusão, a desorientação, raiva, agressividade, agitação intensa, tristeza.

A comunicação agressiva, o confronto, a desvalorização, o chamar à atenção para os erros que o doente cometeu, o apelar e exigir que elabore atividades que a pessoa já não consegue executar são atitudes que devem ser evitadas a todo o custo.

A literatura científica disponibiliza informação, vídeos (6) e outras estratégias para ensinar os familiares e cuidadores a lidarem com as situações complexas e frequentes, tais como a recusa do banho e da toma de medicação, agressividade, estados confusionais, desinibição sexual, etc.

Para saber mais

Poderá consultar as seguintes fontes de informação:

Advita

Alzheimer Portugal

Alzheimer Portugal | Sinais de alerta para um diagnóstico precoce

RHAPSODY | Guia de demência precoce

UCLA Health | Caregiver training videos (em inglês)

Humanamente

Cogweb 

The National Asociation of Social Workers (em inglês)

Arts 4 Dementia (em inglês)

 

Fontes:

(1) Livingston G, Huntley J, Sommerlad A, et al. Dementia prevention, intervention, and care: 2020 report of the Lancet Commission. The Lancet 2020.

(2) https://alzheimerportugal.org/pt/text-0-9-33-34-sinais-de-alerta-para-um-diagnostico-precoce

(3) Risk reduction of cognitive decline and dementia: WHO guidelines (2019).

(4) https://alzheimerportugal.org/public/files/manual_do_cuidador.pdf

(5) https://www.uclahealth.org/dementia/caregiver-education

(6) https://www.uclahealth.org/dementia/caregiver-education-videos

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Prof. Dra. Filomena Santos

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