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A música (também) faz bem à saúde

Não há dúvida: a música tem uma influência positiva na saúde em geral. Conheça alguns dos benefícios já comprovados pela ciência.
Escrito por Helena C. Peralta

 

A ideia de que a música contribui para o bem-estar da humanidade, e consequentemente para a saúde, não é propriamente recente. Já Aristóteles e Platão, grandes nomes da filosofia grega, falavam dessa importante associação. Platão dizia que “a música é o grande remédio da alma” e Aristóteles referia que “as pessoas que sofrem de emoções descontroladas, depois de ouvirem melodias que elevam a alma ao êxtase, regressam ao seu estado normal, como se tivessem experimentado um tratamento médico”.

Também no Renascimento se acreditava que ouvir os grandes compositores clássicos trazia benefícios ao bem-estar das pessoas que, naquela altura, tinham hipótese de a ouvir. Já nessa época, um médico francês, Louis Roger, escreveu um livro sobre o efeito da música no corpo humano e alertou para a necessidade de se fazerem mais pesquisas científicas acerca do tema.

Contudo, foi só no final da primeira metade do século xx que os efeitos da música na saúde começaram a ser levados mais a sério. No final da II Guerra Mundial os músicos foram chamados a diversos hospitais para ajudarem na recuperação das vítimas da guerra. E, a partir de 1944, os Estados Unidos decidiram aceitar a música como uma forma de terapia e formar profissionais de saúde nesta área, tornando-se pioneiros.

Mas foi apenas nos últimos 50 anos que os cientistas se dedicaram mais intensamente à procura de respostas efetivas sobre a música e os seus efeitos na saúde. “Depois de revermos inúmeros estudos realizados acerca da influência da música na saúde humana, encontraram-se provas convincentes de que as intervenções musicais podem ter um importante papel na saúde”, refere, a propósito, o neurocientista e músico Daniel Levitin, autor do livro Uma Paixão Humana: o seu Cérebro e a Música (This is Your Brain on Music na versão original).

Além de cientista e investigador na Universidade de McGill, no Canadá, Daniel Levitin é também músico e um dos maiores especialistas mundiais nesta questão. Na sua obra faz alusão aos mecanismos neuroquímicos da música com efeitos em quatro áreas da vida humana: temperamento, stresse, imunidade e interações sociais.

Este é um dos primeiros livros a debruçar-se inteiramente sobre o modo como experienciamos a música e o papel que desempenha nas nossas vidas, sempre de um ponto de vista científico. Levitin demonstrou que estamos mais musicalmente equipados do que pensamos, pois os nossos cérebros estão naturalmente dotados para a música e esta é, talvez, tão fundamental para espécie humana como a própria linguagem.

Os efeitos na saúde

Qual é então o impacto que a música tem na saúde e no bem-estar? Além do óbvio, que se prende com o prazer e o facto de a música estar diretamente ligada à dança, ouvir música regularmente parece beneficiar as pessoas das mais diversas formas. Armando Sena, neurologista, professor na Universidade Nova de Lisboa e autor da obra Cérebro, Saúde e Sociedade, é um entusiasta deste tema.

Segundo ele,“as alterações decorrentes da música são sobretudo a nível hormonal e de marcadores inflamatórios que se relacionam com o stresse, que alteram o sistema nervoso simpático e parassimpático. Estudos têm demonstrado que a música pode diminuir esses marcadores, já que favorece a resistência ao stresse. O funcionamento do cérebro, por si só, influencia um aumento ou uma diminuição desses marcadores”, explica.

Assim, a música reduz o stresse e a ansiedade, pode ajudar a prevenir a depressão, tem a capacidade de controlar os batimentos cardíacos e diminui a pressão arterial. Um estudo levado a cabo na Índia, na Banaras Hindu University, em 2015, por Uma Gupt, que procura a relação da música na recuperação de pacientes com doença coronária, comprova que ouvir música reduz a pressão arterial e os batimentos cardíacos dos doentes.

Outra investigação realizada pela equipa de cirurgia cardiotorácica do Hospital Universitário de Orebro, na Suécia, confirma que nos doentes recém-operados os níveis de cortisol no sangue (associados ao stresse) diminuíam mais rapidamente se ouvissem música.

Também na Suécia, outra equipa de investigadores demonstrou que ouvir melodias relaxantes no pré-operatório reduz a necessidade da administração de medicação para controlar a ansiedade. Por outro lado, a música ajuda também a controlar e a reduzir os níveis de dor. Uma investigação realizada em Espanha, por investigadores das universidades de Almeria, de Granada e da Andaluzia, observou 60 doentes com fibromialgia, uma patologia crónica caracterizada por intensas dores musculares.

Os participantes foram divididos em dois grupos: durante quatro semanas, 30 pessoas estiveram expostas a uma hora de música diária, ao contrário das restantes 30. Concluiu-se que, avaliando a dor dos doentes através de uma escala devidamente certificada, o grupo de intervenção que ouviu música teve dores menos intensas.

Também em Taipé, Taiwan, um grupo de investigadores desenvolveu uma experiência com doentes recém-operados à coluna vertebral e concluiu que a música tinha efeitos positivos na redução da dor no pós-operatório.

Efeitos benéficos no cérebro

Um estudo, publicado em 2013 e realizado por Karen Ludke (Universidade de Edimburgo), Fernanda Ferreira e Katie Overy (Universidade da Carolina do Sul), demonstrou que o canto favorece a aprendizagem de uma língua estrangeira. A experiência envolveu 60 adultos que estavam a aprender húngaro e que foram divididos em dois grupos.

O grupo de intervenção, com 30 elementos, usava o ritmo e o canto para aprender a língua, enquanto o outro grupo utilizava um método de aprendizagem tradicional. Os resultados comprovaram que a música e o canto melhoravam a memória e, consequentemente, tinham um impacto positivo na aprendizagem.

Por outro lado, está provado que a música ajuda o cérebro a libertar dopamina, um neurotransmissor estimulante do sistema nervoso e, dessa forma, pode contribuir para prevenir doenças como Parkinson, que advém da desregulação da produção de dopamina. E são várias as investigações que demonstram que a atividade musical durante o envelhecimento ajuda a manter a saúde física e mental: melhora a disposição, a memória, o sentido de orientação e a coordenação motora em geral.

Outra questão que tem vindo a ser levantada mas ainda carece de mais provas científicas, refere-se aos efeitos da música no sistema imunitário. Mona Lisa Chanda e Daniel Levitin, ambos cientistas na Universidade McGill, demonstraram, através de estudos realizados, que há evidências de que a música tem potencial para aumentar a resistência e resposta do sistema imunitário face a diversas doenças.

Perceção inconsciente 

Há quem questione se a música não terá apenas um efeito placebo. Armando Sena refere que “não precisamos de ter um desenvolvimento consciente e maturo para o nosso cérebro ter perceções. Há perceções inconscientes no nosso cérebro que influenciam uma quantidade de coisas sem disso termos consciência. Isso está mais do que provado. Mesmo um bebé reage mais a um determinado tipo de música e ritmos do que a outros”.

E se os efeitos benéficos da música já foram comprovados cientificamente, Daniel Levitin defende que há que passar à prática: “Acredito que a música seria uma terapia muito mais natural e barata e sem os efeitos secundários que muitos medicamentos apresentam”, refere Daniel Levitin.

Este é um dos artigos da Revista Lusíadas número 6

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