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Atletas olímpicos e… médicos

Como conciliar os treinos de atleta olímpico com um dos cursos superiores mais exigentes? Marta Onofre, Rui Bragança e Ana Rente explicam-nos. Vão competir nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e estão ainda a estudar Medicina.
Texto Sónia Morais Santos

Estudar Medicina não é para todos. A frase pode soar estranha, quase discriminatória, exclusivista. Mas não deixa de ser verdadeira, por muito que possa encerrar todos os adjetivos enunciados. Ora, se estudar Medicina não é para todos, o que dizer de quem consegue estudar Medicina e ser atleta de alta competição? Talvez que é coisa apenas só para alguns. Neste artigo, juntamos alguns desses seres raros. Três atletas de alta competição, que se preparam para ir aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, e que são ou estudantes de Medicina ou já médicos. Quisemos saber como se consegue conciliar a exigência de um curso como o de Medicina com a não menor empreitada de ser atleta de alto rendimento. Quem são estas pessoas que representam o país levando o corpo ao limite e que salvam vidas (ou se preparam para salvar) no entretanto?

Ana Rente

Uma médica de família no trampolim Atletas olimpicos

Tem 28 anos e já é médica. Falta-lhe apenas concluir a especialidade que, se tudo correr bem, será daqui a dois anos. Nessa altura será então especialista em Medicina Geral e Familiar, ou seja, Médica de Família. Ana Rente nasceu em Coimbra, onde viveu até aos 3 anos. Por essa altura, os pais mudaram-se para Tomar e aos 18 anos Ana entrou na faculdade, em Lisboa, para onde se mudou. O desporto sempre fez parte de si. Começou na ginástica aos 7 anos, experimentou várias modalidades, judo, natação, mas a ginástica acrobática foi o que mais gostou. “Onde tive mais sucesso foi no Par Misto. Basicamente, eu fazia par com um rapaz: ele ficava em baixo, a fazer de suporte, e eu ia lá para cima fazer os meus saltos. Por volta dos 12 anos, o meu par foi para a faculdade e eu, como tinha crescido, já não podia estar na parte dos saltos, a pares. Tinha de ficar na base. Não achei graça. Como já tinha experimentado os trampolins, em treino, e gostava, decidi fazer só trampolins.” Tudo isto se passou no Ginásio Clube de Tomar e, depois, na Sociedade Filarmónica de Gualdim Pais. A transição para os trampolins não foi fácil nem imediata mas tinha de meter competição: “Sempre fui muito competitiva, sempre quis ser a primeira em tudo e não me faria sentido fazer um desporto sem ser para competir.” Foi assim que chegou aos Campeonatos da Europa, do Mundo, em 2004 foi Campeã da Europa de Juniores, já foi duas vezes aos Jogos Olímpicos (Pequim e Londres) e prepara-se agora para ir ao Rio de Janeiro. Ter de abandonar o treinador de Tomar foi duro. Sérgio Lucas foi quem a fez chegar tão longe mas, com a mudança para Lisboa, foi preciso encontrar outro treinador.

“Foi quase um corte umbilical. Custou muito. E isto acontece porque infelizmente em Tomar não há universidades e acontece com milhares de desportistas por esse país fora. É uma pena. Em Lisboa passei a treinar no Lisboa Ginásio Clube e tive de me habituar a uma cidade diferente, a não ter a comida da mãe... mas agora não imagino vida diferente!”

No que diz respeito à gestão de tempo, Ana explica: “Normalmente os atletas são muito metódicos. Temos de ser muito organizados. Quando é para estudar é para estudar, quanto é para treinar é para treinar. Em época de exames diminuía um pouco os treinos; quando era época competitiva abrandava um pouco os estudos.” Os primeiros Jogos Olímpicos foram o grande sonho. Afinal, é o mais alto patamar na carreira desportiva de um atleta. “A competição não me correu da melhor forma mas acho que as experiências negativas também nos trazem coisas positivas e a verdade é que adorei ter lá estado. Foi único.” Agora, a preparar-se para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, diz que é mais difícil porque já está a trabalhar. “Enquanto estudava, sempre foi relativamente fácil esta gestão. Mas a trabalhar a coisa é completamente diferente. Estou no Centro de Saúde dos Olivais e chegava ao final do dia tão cansada que o treino tornava-se penoso. Não estava a dar vazão num lado nem no outro. Então, a minha tutora disse que eu devia tirar uma licença, para me focar apenas nos Jogos Olímpicos. O meu objectivo? Ser das 8 primeiras, ir à final. Quero fazer melhor do que em treino. E se tudo correr como espero o resultado final pode ser muito bom.”

Rui Bragança

Um estudante de Medicina a golpes de Taekondo Atletas olímpicos

Tudo começou a brincar. Os pais de Rui inscreveram-se num ginásio perto de casa, a irmã também foi fazer dança, e ele também tinha de se mexer. Tinha 13 anos. Experimentou o Taekwondo. “No início nem gostava muito. Mas depois, quando começámos a brincar mais no treino comecei a gostar. E a evoluir.” Rui Bragança tem 24 anos e nasceu em Guimarães. O seu encontro com a modalidade deu-se assim, por acaso e sem amor à primeira vista. A brincar a brincar já lá vão 28 competições: em 2007 foi medalha de Bronze no Campeonato da Europa de Juniores, em 2009 foi medalha de Prata no Europeu Universitário, em 2011 vice-campeão do mundo de seniores e campeão europeu universitário. Em 2014 foi campeão da Europa, em Agosto de 2014 tornou-se número 1 do ranking mundial. Em 2015 foi ouro nos Jogos Europeus, conseguiu a classificação para os Jogos Olímpicos no 3º lugar do ranking olímpico e agora renovou o título de campeão europeu. Para quem começou a brincar, Rui tornou-se um caso muito sério. Rui está no 6º ano de Medicina. Também não foi amor à primeira vista. “Eu tinha boas notas e só sabia que queria ficar na Universidade do Minho. Na semana da escolha pensei ir para Medicina para seguir investigação. Tem graça que acabei a escolher o curso certo pelos motivos errados. Agora prefiro mil vezes a parte clínica.” Sorri quando se lhe pergunta como é possível ser um campeão com tantos títulos e um bom estudante de Medicina:

“Não é fácil conciliar. Diz-se que temos de ser muito organizados... não temos é alternativa! Não há como ser desorganizado! É preciso treinar, estudar... e pronto.”

Dito assim até parece fácil. Rui gostava de acabar o curso este ano, para fazer o Ano Comum em 2017 e, em 2018, entrar na especialidade. “Não sei se vou acabar este ano. Na verdade, neste momento a minha prioridade é o Taekwondo. Quero dar o máximo nestes Jogos Olímpicos. Treino 4 horas por dia, 6 dias por semana. Os Jogos Olímpicos são um sonho tornado realidade. Para mim e para o meu treinador de sempre, o Hugo Serrão. Espero que ele esteja orgulhoso de mim e que fique ainda mais, depois do Rio de Janeiro.”

Marta Onofre

Um Salto com Vara para a Medicina Atletas olimpicos

Desde criança que gostava muito de desporto. Fez natação, ginástica acrobática, natação sincronizada. Começou no Atletismo com 12 anos. Só aos 19 se dedicou ao Salto com Vara, uma modalidade rara entre as mulheres: “Há muito pouca gente a praticar, meninas e até rapazes. Mas enfim, eles são geralmente mais destemidos, e este é um desporto que impõe algum respeito. Quando eu desaparecer como atleta só há uma rapariga com 20 anos na competição, mas que ainda não tem marca para a competição internacional.” Marta Onofre tem 25 anos e é de Lisboa. Experimentou o Salto com Vara porque achou piada mas não foi uma paixão imediata. Ainda assim, foi o desporto em que mais rapidamente se destacou. No primeiro ano foi ao pódio nos Juvenis, no segundo ano ganhou os Juvenis, e aos 15 anos estava na alta competição. “O meu primeiro campeonato internacional foi em 2007, no Festival Olímpico da Juventude Europeia, em 2011 foi o Campeonato Europeu de Sub-23, em 2014 foi o primeiro europeu de Seniores.” Quando chegou a altura de escolher o curso superior, esteve indecisa. Sempre gostou muito de estudar, era boa aluna. Ainda pensou em seguir Ciências do Desporto mas a mãe pôs-lhe juízo na cabeça. Antes seguir Medicina e depois tirar uma especialidade que tivesse ligação com o desporto do que seguir um curso com algumas limitações em termos de saídas profissionais. Marta acabou o curso em 2015, só não fez ainda a Prova Nacional de Seriação que a levará a escolher a especialidade.

“No último ano, em que fiz o estágio, tive um rendimento desportivo significativamente inferior. É totalmente diferente estar a estudar ou estar a trabalhar. Enquanto estudante sempre consegui conciliar as coisas, não que fosse fácil mas conseguia-se. Em estágio foi completamente diferente. Nem quero imaginar quando for trabalho a sério!”

  Para já, Marta Onofre está de olhos postos nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, para os quais se qualificou num campeonato nacional, com um salto de 4,51 metros: “Participar nos Jogos Olímpicos é algo único. Nada se compara. No dia em que fiz os mínimos fiquei muito satisfeita mas acho que só no dia seguinte é que me caiu a ficha. Andei uma semana a flutuar.” O seu principal objectivo é dar 100% na prova. Adoraria passar à final mas já não ficava triste se chegasse a semi-finalista, o que representa um 18º lugar. Tem treinado para isso. Entre Setembro a Janeiro treinava 4 horas por dia, excepto ao domingo. Nesta altura de fase pré-olimpíadas treina 2,5 a 3 horas por dia, treinos mais leves. “Não posso deixar de falar do meu treinador, Pedro Pinto, que começou comigo em 2011, numa altura em que o meu salto era de 3,80m. Neste momento estou em 4,51m por isso acho que ele se tornou um excelente treinador de saltos, que não era."

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