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Glossário: da dopamina à serotonina, como o cérebro impacta a saúde mental

Colaboração
Conheça alguns dos principais neurotransmissores e hormonas que influenciam o nosso estado de espírito.

Linguagem, atenção, cálculo, memória. As chamadas funções cerebrais superiores são apenas algumas das que dependem de atividades reguladas pelos neurotransmissores — substâncias libertadas pelas transmissões dos neurónios (células cerebrais) que asseguram a comunicação entre diferentes tecidos do sistema nervoso. “Alterações destas substâncias a nível cerebral podem, igualmente, provocar desequilíbrios na regulação e bem-estar emocional, na qualidade do sono ou na resposta adaptativa ao stress”, explica Rui Lopes, especialista em Psiquiatria no Hospital Lusíadas Braga. 

“A investigação na área das neurociências permitiu descobrir que os neurotransmissores desempenham um papel importante na comunicação, neuromodulação e conectividade químicas existentes entre os milhões de neurónios ligados por triliões de sinapses. Assim, fatores externos ou internos que afetem os equilíbrios homeostáticos destes neurotransmissores podem ter repercussão ao nível da saúde mental e da qualidade de vida”, acrescenta. 

Perturbações mentais como a depressão, perturbações da ansiedade e perturbações da regulação do ciclo do sono, como a insónia, são alguns dos problemas de saúde que podem estar associados a alterações dos neurotransmissores. De tal forma que fármacos como os antidepressivos ou ansiolíticos atuam ao nível da regulação do seu funcionamento.

Os neurotransmissores podem dividir-se em quatro grupos: os da família das aminas (serotonina, noradrenalina, dopamina, acetilcolina, histamina e melatonina, entre outros), os peptídios (oxitocina e prolactina, entre outras); as hormonas circulantes (como, por exemplo, o cortisol) e os aminoácidos (como, por exemplo, GABA e glutamato). Apresentamos-lhe, de seguida, alguns dos que mais impactam o nosso estado de espírito.

Cortisol. Stress, mas não só

Secretado em picos durante o stresse, o cortisol é uma hormona com um papel relevante em muitas outras funções do organismo: ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue e o metabolismo, contribuindo também para a redução da inflamação. Tem ainda um efeito de controlo no equilíbrio entre sal e água e ajuda a regular indiretamente a pressão arterial. Na mulher, apoia o desenvolvimento do feto durante a gravidez. 

Em suma, é crucial para proteger a saúde e bem-estar gerais. Produzido nas glândulas suprarrenais (localizadas acima dos rins), a sua secreção é controlada pelo hipotálamo e pela hipófise (localizados na base do cérebro). 

Níveis elevados de cortisol podem associar-se a perturbações da ansiedade, depressão e disfunção sexual (incluindo diminuição da libido) e, na mulher, podem contribuir para alterações do ciclo menstrual. Níveis baixos podem estar associados a uma doença autoimune rara chamada doença de Addison, com sintomas como fadiga, perda de peso, variações de humor e alterações da tonalidade da pele.

Dopamina. Sensação de recompensa

A sua atividade neurotransmissora foi descoberta na década de 50 e está relacionada com a cognição e a função motora. A sua atividade neuromoduladora está associada aos 'centros de prazer' e à antecipação da recompensa e, portanto, tem um papel motivador no comportamento. Ao associarmos uma atividade a uma sensação de prazer, a sua mera antecipação pode ser suficiente para aumentar os níveis de dopamina. Assim, tem um papel crítico em funções do sistema nervoso central como o movimento, a capacidade de foco e atenção, o planeamento e tomada de decisão, o humor e a motivação. Não dormir o suficiente pode reduzir os níveis de dopamina e condições como a depressão e a doença de Parkinson estão associadas a baixos níveis deste neurotransmissor. 

Endorfinas. Prazer e bem-estar

O termo endorfina resulta da associação das palavras “endógeno” e “morfina”, o que significa que são substâncias, produzidas pelo próprio organismo, que aliviam a dor. São peptídios opióides libertados naturalmente na hipófise (glândula situada na base do cérebro) em resposta à dor ou ao stress, mas também quando comemos, praticamos exercício físico, temos relações sexuais ou quando nos rimos. Atuam nos receptores opiáceos do cérebro — os mesmos que são influenciados por medicamentos analgésicos como a morfina. A sua libertação conduz a uma sensação geral de prazer e bem-estar que melhora o humor, promove a autoestima e reduz a dor ou desconforto. 

Hormonas da tiroide. Peso, energia, pele, cabelo

A tiroide é uma glândula localizada na região cervical anterior (parte frontal do pescoço) e essencial para o sistema endocrinológico. As hormonas por ela produzidas e secretadas (triiodotironina — T3 — e tiroxina — T4) desempenham um papel importante, entre outros aspetos, na regulação do peso, níveis de energia, temperatura interna, pele, cabelo e crescimento das unhas. Níveis excessivos de T3 e T4 na corrente sanguínea (tireotoxicose) resultam, muitas vezes, de uma atividade excessiva da tiroide (hipertiroidismo). Os sintomas incluem perda de peso, palpitações, ciclo menstrual irregular, diarreia, cansaço, irritabilidade e queda de cabelo. Já o hipotiroidismo ocorre quando a tiroide produz níveis insuficientes de hormonas. Cansaço, depressão, frio, ganho de peso, pele seca, obstipação e irregularidade menstrual são alguns dos sintomas.

Melatonina. Relaxamento e sono

É produzida no cérebro pela glândula pineal, sendo estruturalmente similar à serotonina. É uma hormona essencial para a regulação normal do ritmo circadiano do ciclo sono-vigília. Numa pessoa saudável, é secretada de forma cíclica, em maiores quantidades à noite, quando a luminosidade começa a diminuir, num ambiente calmo, ajudando a desencadear o sono. Assim, uma regra essencial para uma boa qualidade de sono é eliminar, perto da hora de deitar, quaisquer fontes de som ou de luz, incluindo ecrãs de telemóveis, tablets ou computadores. 

A duração da atividade noturna da melatonina serve também para transmitir ao cérebro e aos tecidos não neurais informações sobre a duração da noite. 

Oxitocina e prolactina. Parto, lactação, vinculação

A oxitocina tem um papel reconhecido na regulação do funcionamento socioemocional e na vinculação. Além disso, desempenha um papel crucial no parto: é responsável por estimular os músculos uterinos, para que se contraiam e o trabalho de parto se inicie. Pode ser administrada em forma sintética para induzir o parto ou tornar as contrações mais fortes. Depois do parto, promove a 'descida do leite', provocando a sua libertação na primeira mamada. A prolactina é igualmente secretada na hipófise, sendo responsável pela produção contínua de leite depois do nascimento do bebé. Em situações patológicas pode ser produzida em excesso no organismo e originar galactorreia (estado de produção de leite sem gestação) e alterações da libido e do humor (como a depressão). 

Serotonina. Estabilizador de humor

A serotonina é considerada vital na regulação do humor e na sensação de bem-estar, tendo igualmente um papel relevante ao nível do sono, bem como noutras funções do organismo, como a motilidade intestinal ou a coagulação do sangue. Encontra-se distribuída em todo o sistema nervoso central, mas também no sistema digestivo e plaquetas sanguíneas. É produzida através do seu precursor L-triptofano, um aminoácido essencial obtido através da alimentação e presente em alimentos como nozes, queijo, carnes vermelhas e salmão. 

Existem estudos que documentam níveis de triptofano diminuídos no plasma sanguíneo de doentes com depressão, comparativamente com indivíduos saudáveis — contudo, outros estudos apresentam resultados inconsistentes. No atual modelo biopsicossocial da depressão e das perturbações da ansiedade, a origem destes problemas de saúde mental é multifatorial, fundamentando-se em muitos outros fatores, incluindo biológicos, psicológicos e sociais. 

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Dr. Rui Miguel Lopes

Dr. Rui Miguel Lopes

Hospital Lusíadas Braga

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